Getúlio acabou aceitando voltar à política, resumindo assim sua
campanha eleitoral, em Parnaíba: "Recebi de vós, como de tantos
outros pontos distantes do país, apelos para lançar-me nesta campanha que
mobiliza o povo brasileiro na defesa dos direitos à liberdade e a vida!" O slogan do PTB,
que antecedeu à campanha eleitoral, foi o seguinte: "Ele
voltará!"
Uma
reportagem de O Globo, de 25 de fevereiro de 1996, página 3, assim
descreve as lembranças da campanha eleitoral de 1950, guardadas por Alzira
Vargas: "Ele vai voltar"! A frase, uma espécie de legenda para a
fotografia de um Getúlio sorridente, está impressa em caixinhas de fósforo,
cigarreiras, porta-níqueis, chaveiros, panfletos, cartazes, lenços de seda e
até mesmo em bolsinhas femininas.
A
candidatura de Getúlio foi lançada no dia 19 de abril, dia de seu aniversário,
depois da candidatura Eduardo Gomes da UDN. Getúlio disse naquela data:
"Se o meu sacrifício for para o bem do Brasil, levai-vos convosco!"
Em uma proclamação em Porto Alegre, em 9 de agosto de 1950, Getúlio declarou
que só levou adiante sua candidatura à presidência da República quando ficou
claro que não seria possível uma candidatura única de conciliação nacional:
“Quando a minha candidatura à
presidência da República foi lançada pelo governador Ademar de Barros e pelo
Diretório do Partido Trabalhista Brasileiro, dirigi ao senador Salgado
Filho uma carta-manifesto, declarando-me pronto a renunciar em benefício
de uma conciliação geral da política brasileira. Minha proposta não foi
atendida e fui forçado a aceitar a minha candidatura, por imposição popular”.
No discurso que pronunciou, em 16 de junho, pelo rádio, de São
Borja, à convenção do PTB, seu partido político que o lançava candidato à
presidência, destacou sua principal virtude: a conciliação: "Se vencer,
governarei sem ódios, prevenções ou reservas, sentimentos que nunca influíram
nas minhas decisões, promovendo, sinceramente, a conciliação entre os nossos
compatriotas e estimulando a cooperação entre todas as forças da opinião
pública".
Então,
já com 68 anos, percorreu todas as regiões do Brasil, em campanha eleitoral,
pronunciando, de 9 de agosto a 30 de setembro, em 77 cidades, discursos, nos
quais relembrava suas obras nas regiões em que discursava. O primeiro discurso
foi em Porto Alegre e o último de São Borja. Prometendo, em 12 de
agosto, na cidade do Rio de Janeiro, que o povo subiria com ele as escadarias
do Palácio do Catete: "Se for eleito a 3 de outubro, no ato da posse,
o povo subirá comigo as escadas do Catete. E comigo ficará no governo!"
Sobre
ser acusado de "Pai dos Ricos", Getúlio disse, em discurso de 27 de
agosto de 1950, em Recife:
“Os meus adversários continuam a
atirar-me, ao mesmo tempo, a pecha de “Pai dos Pobres” e “Pai dos Ricos”. Como
homem público, entretanto, nunca fui faccioso ou extremado. Antes de mais nada,
procurei agir com justiça e realizar o bem comum. Ricos e pobres são igualmente
brasileiros. Se aos primeiros, muitos dos quais estiveram à beira da
insolvência que agravaria a situação das classes desfavorecidas e dos
assalariados, abri oportunidades de reerguimento e facilitei o crédito, consolidando
as bases da agricultura e da indústria, também não desamparei os trabalhadores.
Defendi-os contra a ganância dos exploradores, e rompendo resistências que se
levantaram à minha ação, iniciei, com firmeza e segurança, a legislação
trabalhista no Brasil".
Uma síntese das dificuldades que Getúlio enfrentaria como
candidato e como presidente é dada pela frase do escritor, político e
jornalista Carlos Lacerda. Em uma manchete de jornal Tribuna da
Imprensa, em 1 de junho de 1950, afirmou, a respeito de Getúlio: "O
senhor Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência.
Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado,
devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar". Esta frase de
Carlos Lacerda expressava, exatamente, a mesma visão que, em 1930, a Aliança
Liberal tivera quanto à candidatura e posterior vitória eleitoral de Júlio
Prestes, o "Seu Julinho", último cidadão, à época, nascido no estado
de São Paulo a ser eleito presidente do Brasil.
Carlos
Lacerda retomou a frase de Artur Bernardes no seu discurso de posse no Senado
Federal, em 25 de maio de 1927, em que relembrava sua eleição presidencial de
1922: "Não estará ainda na memória de todos o que fora a penúltima
campanha presidencial? Nela se afirmava que o candidato não seria eleito;
eleito não seria reconhecido, não tomaria posse, não transporia os umbrais do Palácio
do Catete". E sobre este eterno drama das campanhas presidenciais, Getúlio
tinha a frase: "No Brasil não basta vencer a eleição, é preciso ganhar a
posse!"
Getúlio foi eleito presidente da
república, como candidato do PTB, em 3 de outubro de 1950, derrotando a UDN,
que tinha, novamente, Eduardo Gomes como candidato e o Partido Social Democrático,
que tinha como candidato o mineiro Cristiano Machado. Muitos membros do PSD
abandonaram o candidato Cristiano Machado e apoiaram Getúlio. Desse episódio é
que surgiu a expressão "cristianizar um candidato", que significa que
um candidato foi abandonado pelo próprio partido político, como relata o
jornalista Carmo Chagas em Política Arte de Minas.
A data das eleições: 3 de outubro, era uma
homenagem à data do início da Revolução de 1930. Fundamental para sua eleição
foi o apoio do governador de São Paulo, Ademar Pereira de Barros, que
tinha sido nomeado por Getúlio, durante o Estado Novo, em 1938, interventor
federal em São Paulo. Em 1941 Ademar foi exonerado, por Getúlio, do cargo de
interventor. Assim a aliança com Ademar foi mais um ato de reconciliação
praticado por Getúlio.
Ademar transferiu a Getúlio Vargas um milhão de
votos paulistas, mais de 25% da votação total de Getúlio. Ademar esperava que,
em troca desse apoio em 1950, Getúlio o apoiasse nas eleições de 1955 para a
presidência da república. O resultado final deu a Getúlio, 3.849.040 votos
contra 2.342.384 votos dados ao Brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 votos
dados a Cristiano Machado. João Batista Luzardo garantiu, em agosto
de 1978, que foi Dutra que garantiu a posse de Getúlio, não permitindo que
nenhuma conspiração militar fosse adiante. A declaração de Luzardo está no
livro Dutra e a democratização de 45, de Osvaldo Trigueiro do Vale: "Havia uma corrente
dentro do Exército que não queria empossar o Getúlio. Mas foi Dutra que mandou
dizer, lá na minha estância em Santa Fé, em São Pedro, que ele ficasse
tranquilo, pois ele na presidência cumpriria a constituição até o último dia de
seu mandato, e passaria o governo a Getúlio, eleito pelo povo".
O emissário de Dutra fora enviado à
Estância São Pedro, de propriedade de Batista Luzardo, porque fora nesta
estância que Getúlio se hospedara, depois de vencer as eleições de 3 de outubro
de 1950, e assim descreveu a concorrida estadia de Getúlio na Estância São
Pedro, a Revista do Globo, edição de 25 de novembro de 1950, na
reportagem "O Descanso de Vencedor":
Descanso em termos, porque, num
só domingo, o próximo presidente da república recebeu exatamente 400 pessoas,
das quais 160 vindas do Rio e 96 de São Paulo. Na Fazenda Estância, São
Pedro, Uruguaiana, o presidente eleito tem uma planície para galopar, um
rio para navegar e uma torre onde pensar no melhor destino para 50 milhões de
brasileiros. Mas só por uma enorme capacidade de recolhimento pode descansar
enquanto atende os centenares de pessoas que diariamente cobrem todas as
distâncias aéreas, marítimas, fluviais, terrestres e políticas que as separam
de Getúlio Vargas.
—Revista do Globo,
25/11/1950
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Uma Administração Polêmica
Tancredo Neves, que foi seu
ministro da Justiça, disse, no livro Tancredo Fala de Getúlio, que, em seu segundo governo, Getúlio "tinha a
preocupação de se libertar do ditador", e que disse a Tancredo: "Fui
ditador porque as contingências do país me levaram à ditadura, mas quero ser um
presidente constitucional dentro dos parâmetros fixados pela Constituição".
Getúlio tomou posse na presidência da república em 31 de janeiro
de 1951, no Palácio do Catete, sucedendo ao presidente Eurico Gaspar Dutra.
O seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956. O
ministério foi modificado duas vezes. Getúlio trouxe para o ministério antigos
aliados do tempo da Revolução de 1930, com os quais se reconciliou:
Ministros
e Ministérios
Góis Monteiro – Ministro do Estado Maior das Forças Armadas.
Osvaldo Aranha – Ministro da Fazenda.
João Neves da Fontoura e Vicente Rao – Ministros das
Relações Exteriores.
Juracy Magalhães - Presidente da PETROBRAS.
Batista Luzardo - Embaixador na Argentina.
Newton Estillac Leal - Ministro da Guerra até 1953.
José Américo de Almeida, (que, à época, governava a Paraíba e se
licenciou do cargo de governador para ser) - Ministro da Viação e Obras Públicas a partir
de junho de 1953.
Luís
Vergara - Secretário particular de Getúlio.
Na obra “Eu fui secretário de Getúlio”, Vergara conta
que Getúlio chamou o ministério empossado em 1951, de "ministério de
experiência", o que causou mal-estar entre os ministros. Ele diz que:
"conhecendo-se o hábito de Getúlio de só falar o mínimo e o justo, a sua
precaução em não exceder os limites do oportuno e do indispensável, o 'cochilo'
revelava um enfraquecimento nos controles de auto vigilância e da contenção da
linguagem", a que Vergara atribui a um começo de envelhecimento e ao
esgotamento, com "quinze anos ininterruptos em atividades governamentais,
preocupações multiplicadas, trabalhos incessantes, crises políticas, acidentes
pessoais e em pessoas da família".
Tancredo
Neves contou também, em “Tancredo Fala de Getúlio”, que a
reconciliação de Getúlio com o ex-governador de Minas Gerais, Benedito
Valadares, se deu por intermédio do próprioTancredo.
Getúlio
teve um governo tumultuado devido as medidas administrativas que tomou e devido
as acusações de corrupção que atingiram seu governo. Um polêmico reajuste
do salário mínimo, em 100%, ocasionou, em fevereiro de 1954, um protesto
público, em forma de manifesto à nação, dos militares, (um dos quais foi Golbery
do Couto e Silva), contra o governo, seguido da demissão do ministro do
trabalho João Goulart.
Este Manifesto
dos Coronéis, também dito Memorial dos Coronéis, foi assinado
por 79 militares que, na sua grande maioria, eram ex-tenentes de 1930. Este
Manifesto dos Coronéis significou uma redução do apoio ao governo Getúlio, na
área militar, e, também, na área trabalhista, por conta da demissão de João
Goulart.
Juscelino Kubitschek, sobre as consequências do
"Manifesto dos Coronéis":“Todos nós, que tínhamos acesso a
palácio, constatamos, porém, que, após essa última crise política, uma sensível
modificação se operava no comportamento de Getúlio Vargas. O homem alegre e
comunicativo de antes havia se transformado num misantropo. A imagem, que
passara a refletir, era de um solitário amargurado, abismado na sua misantropia
sem confidentes, e que, com as mãos cruzadas nas costas - postura que lhe
era
característica -, vagava pelos salões do palácio, num típico alheamento de
sonâmbulo. Entre os amigos, esta pergunta era obrigatória: "Que há com o
presidente?”"
Foram
também polêmicos os seguintes atos do segundo governo Getúlio
·
A ei nº 1.521, de 26 de dezembro de 1951, sobre crimes
contra a economia popular, ainda em vigor.
·
A lei nº 1.522, de 26 de dezembro de 1951, que autoriza o
governo federal a intervir no domínio econômico para assegurar a livre
distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Esta lei foi
substituída pela lei delegada nº 4, em 26 de setembro de 1962.
·
O decreto nº 30.363, de 3 de janeiro de 1952, que dispôs
sobre o retorno de capital estrangeiro, limitando-o a 8% do total dos lucros de
empresas estrangeiras para o país de origem, revogado em 1991.
·
O decreto nº 31.546, de 6 de outubro de 1952, regulamentou
o trabalho do menor aprendiz e vigorou até 2005.
·
A lei nº 1.802, de 5 de janeiro de 1953, que definia os
crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social, e que revogava a Lei
de Segurança Nacional de 1935. A lei 1.802 vigorou até 1967 quando foi
substituída por outra Lei de Segurança Nacional.
·
A lei n° 2004, de 3 de outubro de 1953, sobre o
monopólio estatal da exploração e produção de petróleo, revogada em 1997.
·
A lei nº 2.083, de 12 de novembro de 1953, sobre a liberdade
de imprensa que vigorou até 1967.
·
A Instrução Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) nº
70, de 1953, que criou o câmbio múltiplo e os leilões cambiais.
Neste período, foram criados:
·
Em 20 de junho de 1952, pela lei nº 1.628, o BNDE,
atual BNDES.
·
Em 19 de julho de 1952, pela lei nº 1.649, o Banco do
Nordeste.
·
Pela lei nº 1.779, de 22 de dezembro de 1952, o Instituto
Brasileiro do Café (IBC), extinto em 1990.
·
Em 1953, a PETROBRAS, no aniversário da Revolução de 1930,
3 de outubro, pela citada lei nº 2.004.
·
Em 29 de dezembro de 1953, a lei nº 2.145, criou a CACEX,
Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil.
·
Em 11 de janeiro de 1954, foi criado o seguro agrário, pela lei
nº 2.168, não revogada até hoje.
Getúlio
sancionou a lei nº 2.252, de 1 de julho de 1954, que dispunha sobre
a corrupção de menores, esta lei vigorou até 2.009, revogada pela lei nº
12.015.
Em
1951, Getúlio enfrenta, pela segunda vez, uma grande seca no Nordeste
do Brasil (a primeira fora em 1932). Getúlio diz na Mensagem ao
Congresso Nacional, referente a 1951, que, nesse ano, dobrou o número de
migrantes do Nordeste do Brasil e do norte de Minas Gerais para São Paulo. Em
1950 foram 100.123, e, em 1951, 208.515 migrantes para São Paulo.
Houve
uma grande mobilização nacional conhecida como a campanha "O petróleo é
nosso" em torno da criação da PETROBRAS. Getúlio tentou, mas não
conseguiu, criar a Eletrobrás, que só seria criada em 1961. Em 1954,
entrou em operação a Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso I. Foi
iniciada a construção da Rodovia Fernão Dias ligando São Paulo a Belo
Horizonte, e que seria concluída por Juscelino Kubitschek.
Foi
assinado, em março de 1952, um acordo de cooperação e ajuda militar entre o
Brasil e os Estados Unidos. Este acordo vigorou de 1953 até 1977, quando o
presidente Ernesto Geisel denunciou o mesmo.
Houve
uma série de acusações de corrupção a membros do governo e pessoas próximas a
Getúlio, o que levou Getúlio a dizer que estava sentado em um "mar de
lama". O caso mais grave de corrupção, que jogou grande parte da opinião
pública contra Getúlio, foi a comissão parlamentar de inquérito (CPI)
do jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer. Samuel
Wainer era acusado por Carlos Lacerda e outros de receber dinheiro do Banco
do Brasil para apoiar Getúlio. O jornal Última Hora era
praticamente o único órgão de imprensa a apoiar Getúlio.
O Atentado da Rua Tonelero
Na madrugada de 5 de agosto de 1954, um atentado a tiros de
revólver, em frente ao edifício onde residia o jornalista Carlos Lacerda,
em Copacabana, no Rio de Janeiro, mata o major Rubens Florentino Vaz,
da Força Aérea Brasileira (FAB), e fere, no pé, Carlos Lacerda,
jornalista e o futuro deputado federal e governador da Guanabara e
membro da UDN, que fazia forte oposição a Getúlio. O atentado foi atribuído
a Alcino João do Nascimento e o auxiliar Climério Euribes de Almeida,
membros da guarda pessoal de Getúlio, chamada pelo povo de "Guarda
Negra". Essa guarda fora criada para a segurança de Getúlio, em maio de
1938, logo após um ataque de partidários do integralismo ao Palácio
do Catete. Ao tomar conhecimento do atentado contra Carlos Lacerda na rua
Tonelero, Getúlio disse: "Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei
dois tiros nas costas"!
A
crise política que se instalou foi muito grave porque, além da importância de
Carlos Lacerda, a FAB, à qual o major Vaz pertencia, tinha como grande herói o
brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, que Getúlio derrotara nas eleições de 1950. A
FAB criou uma investigação paralela do crime que recebeu o apelido de "República
do Galeão". No dia 8 de agosto, foi extinta a "Guarda Negra".
Os
jornais e as rádios davam em manchetes, todos os dias, a perseguição aos
suspeitos. Alcino foi capturado no dia 13 de agosto. Climério foi finalmente
capturado, no dia 17 de agosto, pelo coronel da Aeronáutica Délio Jardim
de Matos que, posteriormente, chegaria a ser ministro da Aeronáutica.
Na caçada aos suspeitos, chegou-se a utilizar uma novidade para a época,
o helicóptero.
Existem
várias versões para o crime. Há versões que divergem daquela que foi dada por
Carlos Lacerda: O Jornal do Brasil entrevistou o pistoleiro
Alcino João do Nascimento, aos 82 anos em 2004, o qual garantiu que o primeiro
tiro que atingiu o major Rubens Vaz partiu do revólver de Carlos Lacerda. Existe
também um depoimento de um morador da rua Tonelero, dado à TV Record, em
24 de agosto de 2004, que garante que Carlos Lacerda não foi ferido a bala. Os
documentos, laudos e exames médicos de Carlos Lacerda, no Hospital Miguel
Couto, onde ele foi levado para ser medicado, simplesmente desapareceram.
Gregório
Fortunato, chefe da guarda pessoal do presidente Getúlio Vargas, chamado pelo
povo simplesmente de Gregório, foi acusado de ser o mandante do
atentado contra Lacerda. Gregório admitiria mais tarde perante à justiça
ter sido o mandante. Em 1956, os acusados do crime foram levados a um
primeiro julgamento: Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão
como mandante, pena reduzida a vinte anos por Juscelino Kubitschek e
a quinze anos por João Goulart. Gregório foi assassinado em 1962, no Rio
de Janeiro, dentro da penitenciária do Complexo Lemos de Brito,
pelo também detento Feliciano Emiliano Damas.
Morte
Por causa do crime da rua Tonelero, Getúlio foi pressionado,
pela imprensa e por militares, a renunciar ou, ao menos, licenciar-se da presidência.
O Manifesto dos Generais, de 22 de agosto de 1954, pede a renúncia
de Getúlio. Foi assinado por 19 generais de exército, entre eles, Castelo
Branco, Juarez Távora e Henrique Lott e dizia: "Os
abaixo-assinados, oficiais generais do Exército...solidarizando com o
pensamento dos camaradas da Aeronáutica e da Marinha, declaram julgar, como
melhor caminho para tranquilizar o povo e manter unidas as forças armadas,
a renúncia do atual presidente da República, processando sua
substituição de acordo com os preceitos constitucionais".
Esta
crise levou Getúlio Vargas ao suicídio na madrugada de 23 para 24 de agosto de
1954, logo depois de sua última reunião ministerial, na qual fora aconselhado,
por ministros, a se licenciar da presidência. Getúlio registrou em
sua agenda de compromissos, na página do dia 23 de agosto de 1954,
segunda-feira: "Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou
decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a
ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os
revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver."
Getúlio
concordou em se licenciar sob condições, que constavam da nota oficial da
presidência da república divulgada naquela madrugada: "Deliberou o
Presidente Getúlio Vargas.... entrar em licença, desde que seja mantida a ordem
e os poderes constituídos..., em caso contrário, persistirá inabalável no
propósito de defender suas prerrogativas constitucionais, com
sacrifício, se necessário, de sua própria vida".
Getúlio,
no final da reunião ministerial, assina um papel, que os ministros não sabiam o
que era, nem ousaram perguntar. Encerrada a reunião ministerial, sobe as
escadas para ir ao seu apartamento. Vira-se e despede-se do ministro da
Justiça Tancredo Neves, dando a ele uma caneta Parker 51
de ouro e diz: "Para o amigo certo das horas incertas!"
A
data não poderia ser mais emblemática: Getúlio, que se sentia massacrado pela
oposição, pela "República do Galeão" e pela imprensa, escolheu
a noite de São Bartolomeu para sua morte. Getúlio Vargas cometeu
suicídio com um tiro no coração em seus aposentos no Palácio do Catete, na
madrugada de 24 de agosto de 1954. Tancredo contou a Carlos Heitor Cony em
3 de agosto de 1984, como foram os últimos minutos de Getúlio. O depoimento de
Tancredo saiu na Revista Manchete de 1 de setembro de 1984:
“Por volta das sete e meia/oito
horas da manhã, ouviu-se o estampido seco. Desceu o elevador, às pressas, o
Coronel Dornelles, um dos oficiais de serviço na presidência. Nós subimos
apressadamente para o quarto onde o presidente se achava. Os primeiros a entrar
foram o General Caiado, Dona Darci, Alzira, Lutero e eu. Encontramos o
presidente de pijama, com o meio corpo para fora da cama, o coração ferido e
dele saindo sangue aos borbotões. Alzira de um lado, eu do outro, ajeitamos o
presidente no leito, procuramos estancar o sangue, sem conseguir. Ele ainda
estava vivo. Havia mais pessoas no quarto quando ele lançou um olhar
circunvagante e deteve os olhos na Alzira. Parou, deu a impressão de
experimentar uma grande emoção. Neste momento, ele morre. Foi uma cena desoladora.
Todos nós ficamos profundamente compungidos; esse desfecho não estava na nossa
previsão. O presidente, em momento nenhum, demonstrou qualquer traço de emoção,
nunca perdeu o seu autodomínio, jamais perdeu sua imperturbável dignidade, de
maneira que foi um trágico desfecho, que surpreendeu a todos e nos deixou
arrasados”.
Assumiu então a presidência da república, no dia 24 de agosto, o
vice-presidente, potiguar Café Filho, da oposição a Getúlio, que
nomeou uma nova equipe de ministros e deu nova orientação ao governo.
Com
grande comoção popular nas ruas, seu corpo foi levado para ser enterrado em sua
terra natal. A família de Getúlio recusou-se a aceitar que um avião da FAB
transportasse o corpo de Getúlio até o Rio Grande do Sul. A família de Getúlio
também recusou as homenagens oficiais que o novo governo de Café Filho queria
prestar ao ex-presidente falecido. Getúlio deixou duas notas de suicídio, uma
manuscrita e outra datilografada, as quais receberam o nome de carta-testamento.
Uma
versão manuscrita da carta-testamento, assinada no final da última reunião
ministerial, somente foi divulgada ao público, em 1967, por Alzira Vargas,
pela Revista O Cruzeiro, por insistência de Carlos Lacerda, que não
acreditava que tal carta manuscrita existisse. Nesta carta manuscrita, Getúlio
explica seu gesto:
“Deixo à sanha de meus inimigos,
o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e
generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem
que pretendia.
A mentira, a calúnia, as mais
torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos
inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
Acrescente-se na fraqueza dos
amigos que não defenderam, nas posições que ocupavam, à felonia de hipócritas e
traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral
de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um
falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
Se a simples renúncia ao posto a
que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranquilo
no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas
ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me
a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas
privilegiadas.
Velho e cansado, preferi ir
prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos
interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses
nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só
Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva
para aplacar a ira dos fariseus.
Agradeço aos que de perto ou de
longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais
tarde...”
Uma versão datilografada, feita em três vias, e mais extensa
desta carta-testamento, foi lida, de maneira emocionada, por João Goulart,
no enterro de Getúlio em São Borja. Nesta versão datilografada é que
aparece a frase "Saio da vida para entrar na história". Esta versão
datilografada da carta-testamento até hoje é alvo de discussões sobre sua
autenticidade. Chama muito a atenção nela, a frase em castelhano: "Se
queda desamparado". Assim, tanto na vida quanto na morte, Getúlio foi
motivo de polêmica. Também fez um discurso emocionado, no enterro de Getúlio,
na sua cidade natal São Borja, o amigo e aliado de longa data Osvaldo
Aranha que disse: "Nós, os teus amigos, continuaremos, depois da tua
morte, mais fiéis do que na vida: nós queremos o que tu sempre quiseste para
este País. Queremos a ordem, a paz, o amor para os brasileiros"!"
Osvaldo
Aranha, que tantas vezes rompera e se reconciliara com Getúlio, acrescentou:
"Quando, há vinte e tantos anos, assumiste o governo deste País, o Brasil
era uma terra parada, onde tudo era natural e simples; não conhecia nem o
progresso, nem as leis de solidariedade entre as classes, não conhecia as
grandes iniciativas, não se conhecia o Brasil. Tu entreabriste para o Brasil a
consciência das coisas, a realidade dos problemas, a perspectiva dos nossos
destinos".
No
cinquentenário de sua morte, em 2004, os restos mortais de Getúlio foram
trasladados para um monumento no centro de sua cidade natal, São Borja.
Há quem diga que o suicídio de Getúlio Vargas
adiou um golpe militar que pretendia depô-lo. O pretendido golpe de
estado tornou-se, então, desnecessário, pois assumira o poder um político
conservador, Café Filho. O golpe militar veio, por fim, em 1964. Golpe
de Estado que foi feito, essencialmente, no lado militar, por ex-tenentes
de 1930.
Para
outros, o suicídio de Getúlio fez com que passasse da condição de acusado à
condição de vítima. Isto teria preservado a popularidade do trabalhismo e do
PTB e impedido Café Filho, sucessor de Getúlio, por falta de clima político, de
fazer uma investigação profunda sobre as possíveis irregularidades do último
governo de Getúlio.
E,
por fim, o clima de comoção popular devido à morte de Getúlio, teria facilitado
a eleição de Juscelino Kubitschek à presidência da república e de
João Goulart (o Jango) à vice-presidência, (JK), em 1955, derrotando a UDN,
adversária de Getúlio. JK e João Goulart são considerados, por alguns, como
dois dos "herdeiros políticos" de Getúlio.
No dia seguinte ao suicídio, milhares de pessoas
saíram às ruas para prestar o "último adeus" ao "pai dos
pobres", chocadas com o que ouviram no noticiário radiofônico mais popular
da época, o Repórter Esso. Enquanto isso, retratos de Getúlio eram
distribuídos para o povo durante o dia. Carlos Lacerda teve que fugir
do país, com medo de uma perseguição popular.