terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Viva “São João” de Marieta

O bairro de Cruz das Armas, como os demais bairros de João Pessoa-PB., se preparava por inteiro para a festa de São João. A festa da “fogueira de São João” como era assim chamada.
Em cada rua surgia um líder, ou uma líder, para organizar a festa, que, de imediato, começava com uma arrecadação de fundos para a compra dos materiais destinados a confecção das bandeirolas que enfeitariam as ruas durante os festejos juninos.

O material consistia em alguns de rolos de cordão barbante, folhas de papel seda ou crepom, colorido e goma de mandioca.  Os colaboradores e moradores se reuniam, na noite de 22 de junho, dia anterior a véspera de São João, no quintal da casa do líder, onde, divididos em grupos, davam início as tarefas de preparação do “grude”, ou seja, uma cola caseira preparada com água fervente e goma de mandioca, no formato de uma papa rala, que servia para colar as bandeirolas de papel a um longo cordão de barbante estendido em zig-zag pelo quintal.

Era uma reunião animadíssima, regada a café com bolacha para as mulheres e cachaça para os homens, com tira-gosto de tripa de porco torrada, envolta na farinha e toicinho de porco torrado aos pedacinhos, ao estilo torresmo, mas chamado de “torrero” pelo povão.

Esses labores iniciavam logo no final da tarde, quando todos chegavam de seus  trabalhos, e alongavam-se de “noite a dentro” até a madrugada, quando, secadas as bandeiras no cordão, todos iam para a rua estende-las do beiral de cada casa de um lado da rua ao beiral da casa correspondente do outro lado. Tudo harmoniosamente preparado, durante toda madrugada, amanhecendo o dia da véspera de São João alegremente enfeitado de bandeirolas tremulantes.

A gurizada, logo cedo do dia, ganhava as ruas brincando, correndo e pulando, no aguardo de seus pais acordarem, após a noite de luta, para erguerem junto com os filhos as suas fogueiras de São João.
Enquanto as fogueiras, de tamanhos diversos, eram preparadas no terreiro de casa pelos pais e filhos, enfeitadas com palhas de coqueiro enroladas em tranças, fincadas no chão em forma de arco, pés de bananeiras também fincados no chão, as mães se reuniam na cozinha com as filhas e demais mulheres da casa para a elaboração das iguarias típicas das festas juninas, feitas com milho verde, como a canjica, pamonha, bolo, milho cozido e outros.

Antes do anoitecer, as moças se arrumavam com vestidos longos, coloridos, laços de fita nos cabelos e os rapazes se vestiam com roupas também coloridas, camisa de mangas compridas, botas e chapéu de palha.
Ao sol se por as fogueiras eram acesas, os rádios e vitrolas ligados, tocando músicas de forró. A gurizada e os rapazes queimavam fogos do tipo mijão, buscapé, traque, chuveiro, ratinho e bomba. Os homens queimavam fogos de maior porte, tipo foguetão, pistola e buscapé, enquanto tomavam cachaça nas calçadas com tira-gostos assados nas fogueiras com milho verde, carne, lingüiça e outros.

As moças faziam, ao redor das fogueiras, as adivinhações de São João, sempre relacionadas a namoros e, principalmente, a casamentos. Por exemplo, uma moça fincava uma faca virgem no tronco de um pé de bananeira que ornava a fogueira, logo após acesa e quando as chamas baixavam, a faca era retirada e as manchas marcadas na lâmina pelas nódoas da seiva do caule desidratado, formavam, ou deveriam formar, um nome masculino, que seria o nome do futuro namorado e/ou esposo da moça que fincara a faca. Essa e muitas outras adivinhações eram feitas, com muitos risos das moças, mas também com muita fé, porque, no íntimo, elas acreditavam nessas estórias.

Marieta, uma  moça de idade já caminhando para “moça velha”, embora ainda fosse muito bonita e que muito se cuidava para não transparecer a idade que tinha, fazia, todos os anos, uma maratona de adivinhações  nas fogueiras de todos os São João de sua vida desde sua adolescência e nada de aparecer nome ou rosto masculino, nem em faca fincada em tronco de bananeira, ou sombra do reflexo da fogueira na parede, ou na luz da fogueira refletida numa bacia d’água, e nada enfim.

Pedrito, um rapazote da rua, protagonista de muitas presepadas, inventou, de sua própria cabeça uma adivinhação nova para iludir Marieta e disse que ela ficasse atrás da porta, com a boca cheia d’água, enquanto a fogueira estava sendo acesa, olhando pela fresta entre a porta e a parede e o primeiro nome de homem que fosse pronunciado, por qualquer pessoa, logo após acesa a fogueira, ela corresse e soprasse toda a água da boca na fogueira.  E Marieta não contou conversa, foi pra trás da porta com a boca cheia d’água e Pedrito saiu procurando um moleque para gritar “viva São João” no momento em que a fogueira fosse acesa. E assim foi feito. Quando o moleque gritou, Marieta saiu correndo e barrufou a água na fogueira, para o riso de todos que sabiam que a adivinhação tinha sido inventada por Pedrito.

Mas, para surpresa de todos, em meados do mês de setembro daquele ano, apareceu lá pela rua um rapaz, já meio coroa, chamado João, vindo do interior para capital, para se preparar para partir para São Paulo, para assumir sua função de pedreiro.

E João, ao ver a coroa Marieta, se apaixonou por ela e ela por ele. Travaram um namoro e antes do final do ano, casaram-se e foram morar em São Paulo.

Até o dia de hoje essa modalidade de adivinhação passou a ser aplicada nas fogueiras das festas juninas, tanto em Cruz das Armas como nos bairros vizinhos.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A História de Dona Dalina

Dona Dalina era uma senhora branca, afilada, muito magra, muito alta e bastante autoritária. Falava alto e andava sempre de cabeça erguida, a passos largos como um soldado alemão e exatamente no meio da rua, quando se dirigia à bodega de Seu Antonio Magro, percurso repetido umas seis vezes ao dia, acompanhada sempre de Nega, uma moleca de uns cinco anos que ela criava e que fora tomada, a força, por ela, dos braços de uma esmolada alcoólatra na feira de Oitizeiro, numa ocasião em que a bêbada maltratava a guria, que nem sequer andava ainda.
Dona Dalina era temida por todos os seus circunstantes, filhos, esposo ou vizinhos. Se ofendida com alguma "indireta", não limitava as palavras ásperas e ofensivas, aos gritos, com o dedo em riste, quase no nariz do ofensor, que, quase sempre, ficava calado, se esquivava e ia embora.
Seu Pedro, seu esposo, era o contrário de Dona Dalina. Tinha uma estatura a baixo da média, era de cor preta, falava pouco e manso e andava muito devagar. Quando largava do serviço de garí da Prefeitura, gostava de parar, antes de chegar em casa, na bodega de Seu Antonio Gordo, para tomar umas pingas, sem ser visto pela mulher, talvez, que só frequentava a bodega do outro Antonio, defronte, e ele só ia para casa ao anoitecer, com os passos trôpegos e nos lábios um sorriso bobo, constante e indiferente as esculhambações de Dona Dalina.
Seu Pedro, infelizmente, teve um final trágico, pois de tanta cachaça e outras carencias, ficou, como se dizia na época, "abilolado" pelas ruas, repetindo constantemente um jargão adotado na campanha de Pedro Gondim a governador do estado da Paraíba que era "o home é Pedo" "o home é Pedo" "o home é Pedo".
Com a saúde abalada, Seu Pedro fora aposentado pela PMJP e ficou perambulando pelas ruas, repetindo o jargão de campanha de Pedro Gondim. Nesse ínterim, apareceram umas moças evangélicas, Testemunhas de Jeová, que andavam, vestidas a rigor, pregando e angariando adéptos à religião nova e, à época, desconhecida de muitos.
Essas moças conseguiram convencer Seu Pedro a se tornar uma Testemunha de Jeová, que, sem que Dona Dalina soubesse, se reunia com as moças nos cultos realizados nas casas dos novos adéptos, exceto, é claro, na sua própria casa, pois Dona Dalina não sabia e nem poderia saber, dessa sua adesão.
Um certo dia Seu Pedro, de tão fraco e debilitado veio, sem maiores trabalhos, a falecer em seu próprio leito, durante a noite, amanhecendo o dia morto.
Dona Dalina tomou todas as providencias necessárias, ou seja, chamou a SANDÚ para atestar o óbito, conseguiu um caixão doado pela Prefeitura Municipal e colocou o féretro na sala, arrodeado de velas acesas. Inesperadamente, adentram-se à sala, as moças Testemunhas de Jeová, todas vestidas com saias longas, cinzas e blusas brancas de mangas compridas, ensacadas às saias e os cabelos longos amarrados ao estilo totó.
Dona Dalina olhou espantada e firme àquele adentramento, mas permaneceu calada, fixando-as firmimente com com os olhos. De repente uma das moças pergunta: "quem é a esposa dele?" e Dona Dalina respode: "sou eu, por que?" e a moça responde: "é para a Senhora tirar as velas do caixão dele".
Dona Dalina:
"Tirar as velas? Por que? Por que eu tenho que tirar as velas do caixão dele?"
A moça:
"Porque ele é Testemunha de Jeová".
Dona Dalina:
"E Jeová não manda aqui não. Quem manda aqui sou. Tá ouvindo? Quem manda aqui sou eu, não é Jeová não".
E as moças, assustadas e tristes, saíram daquela presença que tanto assustara o pobre de Seu Pedro na vida e na morte.