terça-feira, 19 de abril de 2011

CURSO GRÁTIS PARA EMPREGADA DOMÉSTICA, COM A PROFESSORA BIA

A profissão de empregada doméstica já foi, outrora, a principal opção de trabalho para muitas mulheres de classe pobre de cidades de pequeno, de médio e de grande porte, quais não tiveram oportunidade de estudar, ou não quiseram, ou não foram estimuladas para tanto.

Hoje, essa realidade, nas zonas urbanas de muitas cidades, tem uma nova face com a diminuição da taxa de analfabetismo no Brasil e o constante crescimento de nossa economia, nos últimos anos, onde o mercado de trabalho tem ampliado o seu leque de opções de trabalho, tanto para homens como para mulheres, de graus de escolaridade acima do fundamental, oportunizando para as mulheres atividades dantes só exercidas por homens como chãos de fábricas, pastas executivas, condução de veículos utilitários em serviços profissionais, etc., tornando economicamente ativa a mão de obra feminina no mercado produtivo e mudando uma situação extremamente caótica até pouco tempo atrás, de pouquíssima absorção dessa mão de obra no mercado, não só pela pouca demanda, mas também pelo preconceito que prevalecia bem mais do que hoje. 

Infelizmente essa realidade não se estendeu às zonas rurais das pequenas cidades dos estados mais pobres da federação e o êxodo rural continua sendo a mesma problemática que sempre fora para muitos ruralistas e, principalmente, àquelas jovens de pouca escolaridade das zonas rurais que não se tornaram esposas de trabalhadores rurais de sua localidade, tendo, para sobreviver, que emigram para as zonas urbanas de suas ou de outras cidades em busca de trabalho, mas, por falta de preparo, a opção termina sendo o emprego doméstico,  mesmo que para o mesmo também não tenham preparo.

Há umas três ou quatro décadas atrás, aqui na cidade de João Pessoa essa mão de obra só era utilizada pelas famílias de classe alta, por ser, para as famílias de classe média, um custo superior ao benefício, uma vez que a maioria das donas de casa dessas famílias, não tinham atividades fora do lar, portanto, se encarregavam das tarefas domésticas mais rotineiras da casa, contratando apenas uma lavadeira de roupas para trabalhar dois dias por semana, sendo um dia para lavar as roupas e outro para passa-las.

Dessa forma as lavadeiras eram bem mais procuradas, do que as emigrantes proponentes a uma vaga de empregada doméstica, até porque essas emigrantes ainda não tinham a experiência necessária, sendo obrigadas a mais uma emigração, e desta feita, para as cidades do Rio de Janeiro ou São Paulo onde eram aceitas como domésticas mesmo sem  experiência, em função da grande demanda e da pouca oferta dessa mão de obra nos grandes centros.

Ali passavam seis meses, um ano, um ano e meio, mas sempre regressavam após um certo período, já bastante versadas nas tarefas de um lar e polidas quanto ao trato com os patrões e demais componentes da família, aprendizado este muito mais difícil do que os demais, por se tratarem de moças tímidas, incultas e bastante rudes quanto as relações de "boas maneiras" para com os demais.

Quando elas voltavam do sul e sudeste do país, eram as preferidas pelas donas de casa que até aprendiam com elas as culinárias de outros lugares, as disposições das roupas de cama e mesa, a distribuição e posicionamento das pratarias e talheres à mesa, etc.

Dentre essas regressas de São Paulo, havia em Cruz das Armas a espirituosa Bia, que era uma moça já madura, das chamadas "balzaquianas", por terem mais de trinta anos, e "moça velha", por não terem ainda contraído matrimônio até essa idade.

Bia era uma moça analfabeta, mas muito autentica e muito segura em suas atitudes. Bastante falante, e somente os alfabetizados é que percebiam seu analfabetismo, principalmente pelo seu hábito de empregar vocábulos "difíceis" em suas conversações, independente de seus significados denotativos ou de seus sentidos conotativos. O importante para ela não era o sentido dos vocábulos, e sim,  encaixá-los de qualquer maneira em suas interlocuções para torná-las bonitas e intelectuais aos seus próprios ouvidos e aos ouvidos de seus pares.

Bia era empregada doméstica da família de um deputado estadual, na época neófito na política, mas hoje um decano renomado e com assento garantido nas cadeiras do legislativo em todas suas recandidaturas, por ser muito atuante junto as camamadas populares.

Embora alta, forte e enárgica, não era bonita, pois tinha as pernas desalinhadas na altura dos joelhos, com forte deflexão para dentro, ao ponto de quase encostar um joelho no outro, claudicando a marcha e tornando-a um pouco deselegante, mas sem subtrair a expressão de firmeza da sua personalidade.

Ante a carência de empregadas domésticas especializadas na cidade e as dificuldades financeiras da maioria delas de se tornarem experientes no sul e no sudeste do país, Bia resolveu dar um curso de formação de empregada doméstica. Esse curso era realizado ao ar livre, nas calçadas casas das rua do bairro de Cruz das Armas, todas as noites, à partir das dezenove horas, (após cumpridas suas tarefas domésticas). As moças sentavam-se nas calçadas, perfiladas uma ao lado da outra e Bia, imponente, dedefronte delas, começava a sua aula que a cada noite tinha tinha um número maior de adeptas. Os rapazes, alguns namorados e outros paqueras, os parentes e os amigos ficavam sentados em outras calçadas contemplando, respeitosamente, o espetáculo que a austera professora Bia dava em público, com direito a jeitos, trejeitos, gestos e gesticulações para exprimir suas idéias e realçar suas expressões.

A aula iniciava com a reinvidicação de Bia quanto a postura das moças ao sentarem-se na calçada. E dizia: “mulher! a moça, que é moça, não se assenta com as pernas abertas e nem dobra a “corluna” para frente de forma “carcunda” e desajeitada”. E ia lá na calçada e aprumava moça por moça, encostando as pernas de cada uma de forma que os joelhos ficassem colados um no outro e o tórax rigorosamente ereto, formando um ângulo de 90º com os membros inferiores.

E a aula começava:

“Meninas, a primeira coisa que uma empregada deve saber fazer é atender uma visita à porta”.

“Quando alguém bater palmas na porta, (na época não existia campanhia elétrica), a empregada deve se dirigir à porta, desejar bom dia, boa tarde, ou boa noite à visita e perguntar com quem ela deseja falar, sempre com bons modos e boas palavras, por exemplo: boa tarde,”me desculpe”, quer falar com quem?  E convida a visita a entrar: “modesta a parte”, entre".

“Entrando a visita, a gente, sempre com muita educação, a convida a sentar-se e oferece um chá ou um cafezinho:  “não me leve a mau”, aceita um chá ou um cafezinho? E antes de ir pegar o chá ou o café, você chama o patrão e só se retira da sala quando ele chega, para a visita não ficar sozinha. E ao sair, você pede  licença para se retirar: “com a licença”, vou pegar o cafezinho”.

“Quando você volta com os cafezinhos, claro, um para a visita e outro para o patrão, você torna a pedir licença para entrar na sala, desculpas pelo cafezinho, coloca a bandeja sobre o centro da sala e pede licença para se retirar: “com a licença, olha o cafezinho”, “desculpe o mau gosto”, “com a licença”, estou me retirando”.

As aprendizes ficavam maravilhadas com tanta sabedoria e educação, pediam que ela repetisse aqueles palavriados tão bonitos e tão difíceis de serem aprendidos e questionavam se eram realmente necessários ou poderiam ser dispensados. Bia, com veemência, reputava-os extremamente importantes e necessários pois seriam eles quem iriam pontuar o grau de polimento das empregadas e valorizar seus potenciais de experiencia.

As alunas ficavam satisfeitas com as aulas de boas maneiras, mas não era só, Bia ainda as ensinava a serem obedientes aos patrões. A obedecerem sempre às ordens deles emanadas, pois elas não estavam ali para mandar e sim para obedecer. Além de ensinar-lhes as diferentes culinárias cariocas e paulistas. Higiene e limpez, zelo e cuidado com as coisas alheias e demais prendas exigidas pela profissão.


Essas aulas funcionavam mesmo e as meninas eram absorvidas pelo mercado local sem precisar de se deslocarem para o sul ou sudeste do país. E Bia, sem se dar conta disso, estava prestando um grande serviço a nação, gratuitamente, ao contribuir em fixar essas mulheres em seus estados, evitando assim seus êxodos para localidades distantes de suas terras natal.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

O JUMENTO DE ADELÁIDE

Adelaide Novais era a proprietária de mais de 50% dos terrenos residenciais dos bairros de Cruz das Armas, Rangel, Novais e Oitizeiro, porque esses bairros se formaram a partir de aglomerados residenciais de moradores da fazenda herdada por ela, formada por  uma grande extensão de terras dantes destinadas ao plantio agrícola e a criação bovina mas que Dona Adelaide resolveu urbanizar, dividindo-a em arruamentos e lotes residenciais e transformados em arrendamentos enfitêuticos, ou seja, arrendamentos feitos através de um ato jurídico, inter vivos por prazo longo ou perpétuo de terras públicas ou particulares, mediante a obrigação, por parte do adquirente, (arrendatário ou enfiteuta), de mante-las em bom estado e efetuar, por ano, um pagamento denominado foro anual, certo e invariável, de direito real, alienável e transmissível a herdeiros o direto do uso e a obrigação do pagamento do foro anual, como também o direito dos herdeiros do arrendador de receber do arrendatário ou herdeiros o foro anual, (o qual corresponde a 2,5% do valor venal do terreno).

Ainda hoje, embora muitos terrenos tenham sido quitados a herdeiros de Adelaide,  existem muitos terrenos de casas em Cruz das Armas, principalmente aquelas mais humildes, que pertencem aos herdeiros de Dona Adelaide, talvez, não podemos afirmar, com grande inadimplencia do foro anual.

A fazenda de Adelaide, após o arrendamento, se resumiu apenas as terras circunvizinhas a chamada casa grande da fazenda e confinadas entre a Rua do Rio, (para onde fica a frente da casa), até as margens do rio Jaguagraribe. Nessa área já não havia mais na época muito plantio agrícola, mas ainda havia as criações bovina, caprina, equina e avícula.

Dentre a criação equina de Dona Adelaide, havia um jumento, que, no sentido dicionarizado, é um animal mamífero perissodáctilo, (ordem de animais mamíferos, geralmente de grande porte que têm membros alongados, dedos em número ímpar, cada um revestido de um casco córneo, e estômago simples, que são os cavalos, as antas, os jumentos, os rinocerontes, etc), facilmente domesticável, muito difundido no mundo, e utilizado desde tempos imemoriais como animal de tração e carga. É ungulado e tem pêlo duro, de coloração extremamente variada, indo do castanho-fulvo ao cinza-escuro.

Todas essas características o jumento de Dona Adelaide tinha, como todo jumento tem. Mas esse jumento tinha uma característica a mais, nunca dantes registrada em nenhum de seus pares, que era ter atração sexual por mulheres. Ele não se interessava sexualmente pelo gênero feminino de sua espécie e somente sim, pelo gênero feminino da espécie humana. E isso se tornou um drama na vida do pobre animal que era diuturnamente mantido amarrado a corda num canto isolado da fazenda, e um trauma na vida das mulheres porque, quando ele conseguia romper a corda que o prendia, passava a correr atrás das mesmas, causando a maior gritaria, até que ele fosse pego e novamente amarrado.

Embora esse pobre animal jamais tenha consumado um ato sexual, (para o bem de todos e felicidade geral das mulheres), ele ficou muito conhecido em todo o bairro e vários ditos engraçados e espirituosos foram criados por causa desse seu comportamento, tendo um desses ditos ficado muito conhecido em todo o bairro de Cruz das Armas, que era dizer, em termos de brincadeira:  vai dar ao jumento de Adelaide”,
quando uma pessoa queria brincar de xingar outra.

Essa forma de brincadeira hoje, entre os mais jovens, não é mais aplicada, porém, entre os mais velhos ainda é bastante corriqueira.

Vale salientar que esse fato, em hipótese alguma, denegria a imagem de Dona Adelaide, que era uma senhora de respeito, amada e admirada por todos, pelo seu coração brando e generoso, escondido por traz de uma personalidade enérgica e austera que enquanto pegava um rifle para defender sua propriedade, seu coração perdoava as dívidas do foro anual dos mais carentes, como também doava de sua mesa farta, víveres para muitos dos moradores necessitados do bairro.