sábado, 28 de maio de 2016

SÉTIMA CARTA PARA PAPAI NOEL

Oi Papai Noel.
Esta é a sétima carta que eu escrevo para você e já faz sessenta e oito anos que eu escrevi a sexta carta. Muito tempo já passou, é claro, como também muitas coisas novas aconteceram na vida de muitas pessoas, menos na sua, porque você vive, há centenas de anos, isolado com suas hienas durante o ano inteiro e só aparece no último mês do ano, na tentativa de roubar a cena de Jesus nas festas de comemoração de Seu aniversário nos lares das famílias cristãs, principalmente as mais abastadas.
Quando eu era pequenino, todos os meus amiguinhos escreviam cartas para você pedindo presentes. A poucos você dava presentes novos, bonitos e caros. A alguns você dava presentes novos, mas simples e baratos. E ao restante, a grande maioria, você dava presentes velhos, usados e, as vezes, quebrados.
Eu fazia parte do grupo daqueles meninos que recebiam brinquedos usados. Eu não ficava triste e nem com inveja dos presentes novos e simples de alguns amiguinhos, e nem tão pouco invejava os presentes novos bonitos e caros recebidos por poucos amiguinhos, porque eu pensava que os presentes usados eram destinados aos meninos que não escreveram carta. Os presentes novos e bonitos eram destinados aos meninos que escreveram carta bem feita, bem escrita e convincente. E os presentes novos e simples eram destinados aos meninos que fizeram carta com alguns erros ortográficos ou pouco convincente. Então eu fiquei muito ansioso para que meus pais me matriculassem numa escola para que eu fosse alfabetizado e aprendesse a escrever. Mas eu tinha menos de seis anos, e os meus pais me disseram que os meninos com menos de seis não podiam ser matriculados na pré-alfabetização em escolas da rede pública. Só as escolas da rede privada matriculavam meninos com menos de seis anos na pré-alfabetização e eu não podia estudar numa escola particular.
Eu não entendi bem a explicação, mas fiquei aguardando chegar a idade de poder me matricular na pré-alfabetização de uma escola pública, o que, para mim, demorou muito, mas, enfim, chegou o dia e fui  matriculado.
Meu pai ficou bastante admirado com minha iniciação, pois meus irmãos relutaram em entrar sozinhos em sala de aula e isso não ocorreu comigo. Ao toque de chamada, eu fui correndo para a sala, sem sequer me despedir de meu pai, e logo me sentei numa carteira da frente, (posição que sempre me sentei durante todo o meu tempo estudantil).
Aos sete anos de idade, já no então primeiro ano do primário, (que depois passou a ser chamado de primeira série do primeiro grau e hoje se chama primeira série do ensino fundamental). Bem “desasnado”, (como se dizia antigamente com o aluno que aprendeu rápido um determinado assunto), escrevi a minha primeira carta para você e me esforcei bastante para não cometer erros ortográficos e receber um presente novo e bonito.
 Mas na festa de aniversário de Jesus comemorada com simplicidade em minha família, mas com muita felicidade, eu percebi que você não havia lido a minha carta, porque eu fui enquadrado no grupo dos meninos que não escreveram carta e recebi um presente usado.
No ano seguinte eu fui um dos primeiros meninos a escrever carta para você, na esperança de que desse tempo de ser lida e se não tivesse erros, eu receberia um presente novo e bonito e se tivesse alguns erros, eu receberia um presente simples, porem novo. Mas, infelizmente, você, de novo, não leu a minha carta e eu recebi um brinquedo usado.
Tudo bem, eu compreendi. Enfim eram muitas cartas para um velhinho de tão bom coração lê-las, já com a vista tão cansada.
Mas nos anos seguintes foi sempre a mesma coisa. Você não lia a minha carta e eu recebia presente usado, mas me conformava, porque você era muito bom, muito humano. Apenas não tinha condições de ler tantas cartas com a idade tão avançada.
Após a minha sexta carta eu não escrevi mais para você, pois iria completar quatorze anos e os brinquedos, que não eram tão interessantes, já não me interessavam mais, ao tempo em que surgia em meus olhos um vislumbre dantes não depreendido, que era a formosura das minhas colegas da sala, da escola, da rua. E eu fiquei a admirar essa beleza que antes elas não tinham. Sentir essa nova fragrância que seus corpos exalavam e perceber que as transformações nelas ocorrendo, concomitantemente, também estavam ocorrendo comigo e nós não mais nos queríamos somente como amigos e nem tão pouco queríamos mais brincar com esses seus brinquedos velhos e de segunda mão.
Meu devaneio durante minha adolescência, juventude e maturidade passou a ser ler, trabalhar, escrever, por diletantismo, e me dedicar ao meu verdadeiro presente, dado por Deus, é claro, e não por você, que é a minha família, composta pela minha esposa, (que é o maior amor de minha vida) e pelos nossos quatro amados filhos. Nesse ínterim, muitas foram as minhas leituras, pesquisas, reflexões e com elas eu cheguei a conclusão de que você não é feliz em ser o que você é. Em ter que atender a classe mesquinha e sórdida que lhe criou, com o intuito  de implantar nas pessoas o consumismo, a infelicidade, o amor as coisas materiais, triviais e fúteis. Você fica muito triste com isso. A gente ver pela cara enrugada quando você esboça aquele horrível sorriso amarelo, cheio de ho, ho, ho, nos shoppings da cidade para os pais dos meninos ricos comprarem os que eles pediram em cartas endereçadas aos próprios pais. E para os pais dos meninos de classe média comprarem presentes genéricos, similares aos que os filhos pediram em carta, porem de preços bem mais inferiores, enquanto os filhos de pais pobres recebem os brinquedos usados e doados pelos pais de classe média, (porque os pais ricos nada doam), às comunidades dos bairros pobres, para serem distribuídos por um Papai Noel, de menor remuneração que os dos shoppings, mas de cara tão tristonha quanto àqueles.
Aparentemente esse processo dos meninos pobres receberam brinquedos gratuitamente, embora de segunda mão, parece boa, mas no cômputo geral não é, porque isso cria nos meninos sentimentos de inferioridade, discriminação, exclusão social, além de também incentivar o consumismo, da mesma forma que também incentiva os meninos de melhor poder aquisitivo, porem com um agravante: se esses meninos não vierem a ter, no futuro, uma ascensão para uma classe social que lhes possibilite satisfazer seus anseios de consumo adquiridos em sua infância pelos incentivos dados por uma sociedade mercantilista na qual você foi criado, eles estarão fadados a serem ansiosos, endividados e infelizes.

Mas nem tudo está perdido. Ainda dá tempo dessa mesma sociedade capitalista entender que sua criação não foi, espiritualmente, bem sucedida, tanto para os que têm poder de realizar seus anseios de consumo, como para os que não têm, porque o consumismo não trás felicidade pra ninguém, e desconstruir essa sua imagem inoportuna que aparece justamente no mês do aniversário de JESUS CRISTO, que mesmo sendo filho de DEUS, o Criador do Universo, optou em vir cumprir a Sua missão aqui na Terra, nascendo numa família pobre e vivendo no meio dos pobres.