Oi Papai
Noel.
Esta é a
sétima carta que eu escrevo para você e já faz sessenta e oito anos que eu
escrevi a sexta carta. Muito tempo já passou, é claro, como também muitas
coisas novas aconteceram na vida de muitas pessoas, menos na sua, porque você
vive, há centenas de anos, isolado com suas hienas durante o ano inteiro e só
aparece no último mês do ano, na tentativa de roubar a cena de Jesus nas festas
de comemoração de Seu aniversário nos lares das famílias cristãs, principalmente
as mais abastadas.
Quando
eu era pequenino, todos os meus amiguinhos escreviam cartas para você pedindo
presentes. A poucos você dava presentes novos, bonitos e caros. A alguns você
dava presentes novos, mas simples e baratos. E ao restante, a grande maioria,
você dava presentes velhos, usados e, as vezes, quebrados.
Eu fazia
parte do grupo daqueles meninos que recebiam brinquedos usados. Eu não ficava
triste e nem com inveja dos presentes novos e simples de alguns amiguinhos, e
nem tão pouco invejava os presentes novos bonitos e caros recebidos por poucos
amiguinhos, porque eu pensava que os presentes usados eram destinados aos
meninos que não escreveram carta. Os presentes novos e bonitos eram destinados
aos meninos que escreveram carta bem feita, bem escrita e convincente. E os
presentes novos e simples eram destinados aos meninos que fizeram carta com
alguns erros ortográficos ou pouco convincente. Então eu fiquei muito ansioso
para que meus pais me matriculassem numa escola para que eu fosse alfabetizado
e aprendesse a escrever. Mas eu tinha menos de seis anos, e os meus pais me
disseram que os meninos com menos de seis não podiam ser matriculados na
pré-alfabetização em escolas da rede pública. Só as escolas da rede privada
matriculavam meninos com menos de seis anos na pré-alfabetização e eu não podia
estudar numa escola particular.
Eu não
entendi bem a explicação, mas fiquei aguardando chegar a idade de poder me
matricular na pré-alfabetização de uma escola pública, o que, para mim, demorou
muito, mas, enfim, chegou o dia e fui matriculado.
Meu pai
ficou bastante admirado com minha iniciação, pois meus irmãos relutaram em
entrar sozinhos em sala de aula e isso não ocorreu comigo. Ao toque de chamada,
eu fui correndo para a sala, sem sequer me despedir de meu pai, e logo me
sentei numa carteira da frente, (posição que sempre me sentei durante todo o
meu tempo estudantil).
Aos sete
anos de idade, já no então primeiro ano do primário, (que depois passou a ser
chamado de primeira série do primeiro grau e hoje se chama primeira série do
ensino fundamental). Bem “desasnado”, (como se dizia antigamente com o aluno
que aprendeu rápido um determinado assunto), escrevi a minha primeira carta para
você e me esforcei bastante para não cometer erros ortográficos e receber um
presente novo e bonito.
Mas na festa de aniversário de Jesus
comemorada com simplicidade em minha família, mas com muita felicidade, eu
percebi que você não havia lido a minha carta, porque eu fui enquadrado no
grupo dos meninos que não escreveram carta e recebi um presente usado.
No ano
seguinte eu fui um dos primeiros meninos a escrever carta para você, na
esperança de que desse tempo de ser lida e se não tivesse erros, eu receberia
um presente novo e bonito e se tivesse alguns erros, eu receberia um presente
simples, porem novo. Mas, infelizmente, você, de novo, não leu a minha carta e
eu recebi um brinquedo usado.
Tudo
bem, eu compreendi. Enfim eram muitas cartas para um velhinho de tão bom
coração lê-las, já com a vista tão cansada.
Mas nos
anos seguintes foi sempre a mesma coisa. Você não lia a minha carta e eu
recebia presente usado, mas me conformava, porque você era muito bom, muito
humano. Apenas não tinha condições de ler tantas cartas com a idade tão
avançada.
Após a
minha sexta carta eu não escrevi mais para você, pois iria completar quatorze
anos e os brinquedos, que não eram tão interessantes, já não me interessavam
mais, ao tempo em que surgia em meus olhos um vislumbre dantes não depreendido,
que era a formosura das minhas colegas da sala, da escola, da rua. E eu fiquei
a admirar essa beleza que antes elas não tinham. Sentir essa nova fragrância
que seus corpos exalavam e perceber que as transformações nelas ocorrendo, concomitantemente, também estavam ocorrendo comigo e nós não mais nos queríamos somente como amigos e nem tão pouco
queríamos mais brincar com esses seus brinquedos velhos e de segunda mão.
Meu
devaneio durante minha adolescência, juventude e maturidade passou a ser ler,
trabalhar, escrever, por diletantismo, e me dedicar ao meu verdadeiro presente,
dado por Deus, é claro, e não por você, que é a minha família, composta pela
minha esposa, (que é o maior amor de minha vida) e pelos nossos quatro amados filhos. Nesse ínterim, muitas foram as minhas leituras, pesquisas, reflexões e com elas eu cheguei a conclusão de que você não é feliz em ser o que você é. Em
ter que atender a classe mesquinha e sórdida que lhe criou, com o intuito de implantar nas pessoas o consumismo, a
infelicidade, o amor as coisas materiais, triviais e fúteis. Você fica muito
triste com isso. A gente ver pela cara enrugada quando você esboça
aquele horrível sorriso amarelo, cheio de ho, ho, ho, nos shoppings da cidade
para os pais dos meninos ricos comprarem os que eles pediram em cartas endereçadas aos próprios pais. E para os pais dos meninos de classe média comprarem
presentes genéricos, similares aos que os filhos pediram em carta, porem de
preços bem mais inferiores, enquanto os filhos de pais pobres recebem os
brinquedos usados e doados pelos pais de classe média, (porque os pais ricos
nada doam), às comunidades dos bairros pobres, para serem distribuídos por
um Papai Noel, de menor remuneração que os dos shoppings, mas de cara tão tristonha quanto àqueles.
Aparentemente
esse processo dos meninos pobres receberam brinquedos gratuitamente, embora de
segunda mão, parece boa, mas no cômputo geral não é, porque isso cria nos
meninos sentimentos de inferioridade, discriminação, exclusão social, além de também
incentivar o consumismo, da mesma forma que também incentiva os meninos de melhor
poder aquisitivo, porem com um agravante: se esses meninos não vierem a ter, no
futuro, uma ascensão para uma classe social que lhes possibilite satisfazer
seus anseios de consumo adquiridos em sua infância pelos incentivos dados por
uma sociedade mercantilista na qual você foi criado, eles estarão fadados a
serem ansiosos, endividados e infelizes.
Mas nem
tudo está perdido. Ainda dá tempo dessa mesma sociedade capitalista entender
que sua criação não foi, espiritualmente, bem sucedida, tanto para os que têm poder de realizar seus anseios
de consumo, como para os que não têm, porque o consumismo não trás felicidade
pra ninguém, e desconstruir essa sua imagem inoportuna que aparece justamente
no mês do aniversário de JESUS CRISTO, que mesmo sendo filho de DEUS, o Criador do
Universo, optou em vir cumprir a Sua missão aqui na Terra, nascendo numa família pobre e
vivendo no meio dos pobres.